quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Noites Tropicais - Nelson Motta



Uma lenda viva da música brasileira (independente dos ódios ou paixões que ele desperte ou já tenha despertado), seja como produtor cultural ou compositor, Nelson Motta, em seu livro Noites Tropicais faz uma sinopse imparcial e bem-humorada da história da música brasileira dos últimos 30 anos (do início da Bossa Nova até 1992, com o advento da "onda sertaneja"). Na obra, relatos que vão de hilariantes (as histórias envolvendo o Tim Maia), à trágicas (a morte da "pimentinha" Elis Regina, em 1982), passando por passionais (o envolvimento amoroso do próprio autor com a Elis, ainda casada com Ronaldo Bôscoli). Relatos, histórias e memórias musicais, na ótica de quem vivenciou a música brasileira de perto nos últimos 40 anos.
Vale a pena!!

Motta, Nelson. 2000. Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais. Objetiva, 464 p.

Poeta, poetinha vagabundo...



Certa vez, em uma roda de amigos regada a muito uísque e violão, perguntaram ao "poeta, poetinha vagabundo" Vinícius de Moraes: "você acredita que exista reencarnação?". Ele respondeu em tom de dúvida e deboche: "não sei, deve existir né?". Então a mesma pessoa que lhe fez a pergunta anterior (o Chico Buarque, se não me engano) volta e lhe perguntar: "e se existir reencarnação, quem você gostaria de ser em outra vida?". O poetinha responde: "poderia ser eu mesmo". Faz uma pequena pausa e continua: "mas o pau poderia ser um pouquinho maior".

Extraído do filme-documentário Vinícius

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Cogito


eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

(Torquato Neto)


Torquato Pereira de Araújo Neto nasceu em Teresina (PI), no dia 09 de novembro de 1944. Foi contemporâneo de Gilberto Gil no colégio em que estudou, em Salvador, tornando-se amigo do compositor e conhecendo também os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Em 1966 mudou-se para o Rio de Janeiro, começando seus estudos de Jornalismo. Mesmo sem ter concluído o curso, iniciou-se na profissão trabalhando em diversos jornais cariocas, tendo criado e redigido a coluna "Geléia Geral" no jornal carioca "Última Hora". Um dos criadores do movimento tropicalista, é o autor de inúmeras letras de músicas de sucesso, entre as quais destacamos "Mamãe, Coragem", "Geléia Geral", "Domingou", "Louvação", "Pra dizer adeus", "Rancho da rosa encarnada" e "Marginália II". Em 10 de novembro de 1972, suicidou-se deixando o seguinte bilhete: "Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar". Em 1973, ocorreu a publicação póstuma de seu livro "Os Últimos Dias de Paupéria", organizado por Ana Maria Silva Duarte e Waly Salomão. Três anos depois, alguns de seus poemas foram incluídos na antologia "26 Poetas Hoje", organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Em 1997, foram publicados quatro de seus poemas na antologia bilíngüe "Nothing the Sun Could Not Explain", organizada por Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher.
O poema acima foi publicado no livro "Os Últimos Dias de Paupéria", Max Limonad - Rio de Janeiro, 1973, e selecionado por Ítalo Moriconi para figurar no livro "Os cem melhores poemas brasileiros do século", Objetiva - Rio de Janeiro, 2001, pág. 269.

Extraído de http://www.releituras.com/torqneto_menu.asp

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Retalhos de cetim...

Quem disse que música "brega" quer dizer necessariamente música "ruim"?
Há algum tempo eu venho questionando firmemente isso. Eu, que até meus 19 anos só ouvia rock 'n roll, de uns tempos para cá venho me interessando cada vez mais por essa cultura "brega". E, diga-se de passagem, me encantando cada vez mais!!
Essa pérola, composição de Benitto di Paula, chama-se "Retalhos de cetim". Conta uma história que é a história de muitos de nossos personagens nesse imenso Brasil de "gentes e gentes". Amor, expectativa pela amada e dor-de-cotovelo são alguns dos pilares da estória narrada nessa obra-prima da cultura "brega" brasileira. Ah, isso tudo associada a uma melodia lindíssima!!



http://www.youtube.com/watch?v=0Xy7EDoYgeY

Ensaiei meu samba o ano inteiro
Comprei surdo e tamborim
Gastei tudo em fantasia
Era tudo o que eu queria
E ela jurou desfilar pra mim
Minha escola estava tão bonita
Era tudo o que eu queria ver
Em retalhos de cetim eu dormi o ano inteiro
E ela jurou desfilar pra mim
Mas chegou o carnaval
E ela não desfilou
E eu chorei, na avenida eu chorei
Não pensei que mentia a cabrocha que eu tanto amei

(Benitto di Paula)

Henrique Magalhães
(todos os direitos reservados)

Bambayuque...

Essa música me impressionou desde o primeiro que a ouvi, pela letra, pela musicalidade, pela harmônia, enfim, pelo conjunto da obra.
Letra do extraordinário compositor maranhense Zeca Baleiro, e interpretada por Renato Brás, instrumentista e intérprete formidável, essa canção é realmente um encanto. Pelo que me consta, o Zeca Baleiro nunca chegou a gravá-la, apesar de tê-la composta.
Vale a pena "degustá-la"!! Encontra-se no albúm homônimo do Renato Brás, de 1996.



http://www.youtube.com/watch?v=oQaFms-0Fjg

Enquanto você na arquibancada eu na geral
Enquanto eu além de tudo você afinal
Enquanto eu rondó você madrigal
Enquanto eu paro e penso você avança o sinal
Enquanto você carta marcada eu canastra real
Enquanto eu lugar-comum você especial
Enquanto eu na cozinha você no quintal

Você dois pra lá
E eu dois pra cá
É a dança da nossa paixão

Enquanto você kamikaze eu general
Enquanto eu Paquetá você Cabo Canaveral
Enquanto eu média luz você carnaval
Enquanto você no Olimpo ai de mim mortal
Enquanto você brisa eu vendaval
Enquanto você Roberto eu Hermeto Paschoal

Enquanto você monumento eu pedra de sal
Enquanto você na folia eu no funeral
Enquanto eu matriz você filial
Enquanto você Branca de Neve eu Lobo Mau
Enquanto eu papai-mamãe você sexo oral
Enquanto eu na canção você no parque industrial

(Zeca Baleiro)

Henrique Magalhães
(todos os direitos reservados)

domingo, 9 de novembro de 2008

Há dias...


Há dias em que acordo e não levanto
Há dias em que levanto e não acordo
Há dias em que levanto
Há dias em que acordo
Há dias em que desacordo
Há dias em que não durmo
Há dias...

Henrique Magalhães
(todos os direitos reservados)

Crepúsculo...

"Venha ver o pôr do sol"
(Lygia Fagundes Telles)


Era um crepúsculo.
O sol dava adeus quando a vi surgir misteriosa como a neblina, leve como a pluma. Doce e plena.
Era um par de olhos bem rasgadinhos, era um sorriso despretensioso e intenso. Uma alma de vertigem.
Eu a admirava, mas a queria. Quanto mais eu a queria, mais a admirava. E por aí vai...
Até que um dia, quase que subitamente, fui golpeado por uma coisa chamada paixão. Meu ceticismo romântico ia por água abaixo.
Não sabia nem mesmo se era recíproco, mas sabia mesmo era que queria.
No fim, havia somente eu, ela e o crepúsculo.
Neblina, sol, (...) vertigens inacabadas.

Henrique Magalhães
(todos os direitos reservados)

terça-feira, 25 de março de 2008

é uma beleza involuntária ...



"É uma beleza involuntaria. Nasceu sem que houvesse intenção por parte do homem... As formas, feitas em si mesmas, se encontram por acaso, sem nenhum plano, em improváveis vizinhanças onde brilham de repente numa poesia mágica."

Milan Kundera in A Insustentável Leveza do Ser

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Bobo da corte



http://www.youtube.com/watch?v=2EDCfFp7TO8

"Nem todo o beijo é pecado
Nem toda fruta é maçã
Nem todo réu é culpado
Nem toda culpa é cristã
Nem toda carta é marcada
Nem toda lente é ray-ban
Nem toda noite é noitada
Nem toda luz é manhã..."

(Alceu Valença)

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

O mar (ou "conto dos desencontros")



Karina dançava. Levemente, densamente, subitamente, ela dançava. Somente dançava, nada mais. Enquanto o mundo lá fora gemia, agonizava, ela dançava. Sua íris só conseguia refletir o seu próprio mundo, que não era o presente. Karina era pura nostalgia e nada havia ao seu redor. Karina dançava, dançava, dançava, somente dançava.

Miguel se lamentava. Em prantos, quebrantos, lamentos e mais lamentos. Miguel era só lamentos. Escravo de si mesmo, da sua insanidade e da sua lucidez, Miguel cultuava o seu mundo e ao mesmo tempo se doía por sua própria condolência. Ele nada via além de si mesmo, dos seus abismos, de suas dores. Nada havia ao seu redor, somente sua melancolia. Miguel era só lamentos, lamentos, só lamentos, nada mais que lamentos.

Karina, Miguel, mundos estranhos e tão conhecidos, tão reais e tão imaginários, tão distantes e tão próximos. Karina trafegava bailante pelas ruas imaginárias de seu mundo real enquanto Miguel assentava-se no bar Leblon esperando o tempo passar, arrastando suas incertezas e sua própria existência.

Diante deles, o mar que bailava, bailava como uma vedete com suas ondas que iam e vinham como a vida. Diante deles só restava o mar. Nada mais, além do mar. O mar era real.

Miguel ouvia o jazz que tocava ao vivo no bar Leblon, enquanto Karina preferia nada ouvir, somente o seu próprio eu, sua orquestra imaginária. O jazz tocava, tocava, mas Miguel só conseguia se concentrar na melodia entoada pelo mar, ondas que transpareciam o que era praticamente intransparecivel, o seu próprio eu. Não conseguia entender, mas as ondas eram sua própria vida, ou vidas, idas e vindas rumo ao incerto.

Karina dançava enquanto o mar bailava. As ondas deixavam transparecer tanto e tão pouco. O que era sua vida, seu balé infame, diante do tão óbvio, da vida? Karina não conseguia entender, mas o mar era sua própria vida, ou vidas, idas e vindas rumo ao incerto.

Karina, Miguel, suas danças, seus lamentos, tudo era irreal. O mar, somente o mar, era real.

Henrique Magalhães
(todos os direitos reservados)

A terra dos cães kamikases

Cães na Segunda Guerra Mundial


Era uma terra sem cães nem donos. Era um lugar onde as leis não eram leis, eram como agulhas que furavam, que sangravam, que solviam gotas densas de amargor. Não havia absinto nem vinho doce, não havia cólera ou compaixão. Não era uma terra, não havia lugar, havia sim um nada, uma imensidão interminável de um interminável vazio.

Era uma terra suicida. Uma terra onde todos morriam por si e ninguém morria por ninguém. Era uma terra onde os cães não latiam, onde todos eram cães, todos eram kamikazes. Não havia dor, não havia lágrimas, não havia rancor, nem alegria, nem compaixão, nem melancolia, não havia terra. Nada havia, apenas o nada em meio ao tudo. Havia somente os cães, nem mesmo os cães havia, apenas kamikazes ao léu, apenas herdeiros da sua própria sorte e morte.

Naquela porção latente de vida, éramos herdeiros de nossa mera insignificância e ardor. Éramos apenas o mocinho do filme que nunca se repetiu, mas que sempre nos induz à insônia. Éramos como aqueles cães kamikazes, onde o preço de nossa vida vale mais do que a nós mesmos. Suicidas incondicionais ininterruptos de um eu caótico, insano e lúdico. Naquela terra onde os cães não eram cães, e nós não éramos nós, restávamos apenas nós. Apenas nós, os cães e o infinito, imaginário da própria sorte, kamikazes de nosso próprio destino. No final de tudo, nada havia.

Os cães caminhavam densamente pelas ruas de seu mundo, mundo que não havia, que ressoava vida com cheiro de morte, sabor suicida de lucidez e caos. Mas não havia cães, havia apenas nós, mas onde estamos nós? E os cães, onde se escondem?

Henrique Magalhães
(todos os direitos reservados)

Nosotros, nosotras



http://www.youtube.com/watch?v=B_gaRQ3i1Pc

(Geraldo Azevedo/ Capinan)

Por muy negro que seas
no es menos hermoso
que nosotros, que nosotros
asi me habla la paloma
asi no me hablan los otros

Por muy mundana que seas
no es menos hermosa
que nosotras, que nosotras
asi me habla la rosa
asi no me hablan las otras

Por muy pobre que seas
no es menos sabroso
que nosotros, que nosotros
asi me habla la tierra
asi no me hablan los otros

Por muy loco que seas
no es menos maravilloso
que nosotros, que nosotros
asi me habla los pajaros
asi no me hablan los otros

Por muy obrero que seas
no es menos amoroso
que los negros, que los blancos
las mundanas, las cristanas
que los ricos, que los locos
que nosotras, que nosotros
asi me habla mi amor