terça-feira, 1 de janeiro de 2008

O mar (ou "conto dos desencontros")



Karina dançava. Levemente, densamente, subitamente, ela dançava. Somente dançava, nada mais. Enquanto o mundo lá fora gemia, agonizava, ela dançava. Sua íris só conseguia refletir o seu próprio mundo, que não era o presente. Karina era pura nostalgia e nada havia ao seu redor. Karina dançava, dançava, dançava, somente dançava.

Miguel se lamentava. Em prantos, quebrantos, lamentos e mais lamentos. Miguel era só lamentos. Escravo de si mesmo, da sua insanidade e da sua lucidez, Miguel cultuava o seu mundo e ao mesmo tempo se doía por sua própria condolência. Ele nada via além de si mesmo, dos seus abismos, de suas dores. Nada havia ao seu redor, somente sua melancolia. Miguel era só lamentos, lamentos, só lamentos, nada mais que lamentos.

Karina, Miguel, mundos estranhos e tão conhecidos, tão reais e tão imaginários, tão distantes e tão próximos. Karina trafegava bailante pelas ruas imaginárias de seu mundo real enquanto Miguel assentava-se no bar Leblon esperando o tempo passar, arrastando suas incertezas e sua própria existência.

Diante deles, o mar que bailava, bailava como uma vedete com suas ondas que iam e vinham como a vida. Diante deles só restava o mar. Nada mais, além do mar. O mar era real.

Miguel ouvia o jazz que tocava ao vivo no bar Leblon, enquanto Karina preferia nada ouvir, somente o seu próprio eu, sua orquestra imaginária. O jazz tocava, tocava, mas Miguel só conseguia se concentrar na melodia entoada pelo mar, ondas que transpareciam o que era praticamente intransparecivel, o seu próprio eu. Não conseguia entender, mas as ondas eram sua própria vida, ou vidas, idas e vindas rumo ao incerto.

Karina dançava enquanto o mar bailava. As ondas deixavam transparecer tanto e tão pouco. O que era sua vida, seu balé infame, diante do tão óbvio, da vida? Karina não conseguia entender, mas o mar era sua própria vida, ou vidas, idas e vindas rumo ao incerto.

Karina, Miguel, suas danças, seus lamentos, tudo era irreal. O mar, somente o mar, era real.

Henrique Magalhães
(todos os direitos reservados)

A terra dos cães kamikases

Cães na Segunda Guerra Mundial


Era uma terra sem cães nem donos. Era um lugar onde as leis não eram leis, eram como agulhas que furavam, que sangravam, que solviam gotas densas de amargor. Não havia absinto nem vinho doce, não havia cólera ou compaixão. Não era uma terra, não havia lugar, havia sim um nada, uma imensidão interminável de um interminável vazio.

Era uma terra suicida. Uma terra onde todos morriam por si e ninguém morria por ninguém. Era uma terra onde os cães não latiam, onde todos eram cães, todos eram kamikazes. Não havia dor, não havia lágrimas, não havia rancor, nem alegria, nem compaixão, nem melancolia, não havia terra. Nada havia, apenas o nada em meio ao tudo. Havia somente os cães, nem mesmo os cães havia, apenas kamikazes ao léu, apenas herdeiros da sua própria sorte e morte.

Naquela porção latente de vida, éramos herdeiros de nossa mera insignificância e ardor. Éramos apenas o mocinho do filme que nunca se repetiu, mas que sempre nos induz à insônia. Éramos como aqueles cães kamikazes, onde o preço de nossa vida vale mais do que a nós mesmos. Suicidas incondicionais ininterruptos de um eu caótico, insano e lúdico. Naquela terra onde os cães não eram cães, e nós não éramos nós, restávamos apenas nós. Apenas nós, os cães e o infinito, imaginário da própria sorte, kamikazes de nosso próprio destino. No final de tudo, nada havia.

Os cães caminhavam densamente pelas ruas de seu mundo, mundo que não havia, que ressoava vida com cheiro de morte, sabor suicida de lucidez e caos. Mas não havia cães, havia apenas nós, mas onde estamos nós? E os cães, onde se escondem?

Henrique Magalhães
(todos os direitos reservados)

Nosotros, nosotras



http://www.youtube.com/watch?v=B_gaRQ3i1Pc

(Geraldo Azevedo/ Capinan)

Por muy negro que seas
no es menos hermoso
que nosotros, que nosotros
asi me habla la paloma
asi no me hablan los otros

Por muy mundana que seas
no es menos hermosa
que nosotras, que nosotras
asi me habla la rosa
asi no me hablan las otras

Por muy pobre que seas
no es menos sabroso
que nosotros, que nosotros
asi me habla la tierra
asi no me hablan los otros

Por muy loco que seas
no es menos maravilloso
que nosotros, que nosotros
asi me habla los pajaros
asi no me hablan los otros

Por muy obrero que seas
no es menos amoroso
que los negros, que los blancos
las mundanas, las cristanas
que los ricos, que los locos
que nosotras, que nosotros
asi me habla mi amor