quinta-feira, 17 de maio de 2012

um pequeno aperitivo de waly salomão

Eis um pequeno aperitivo para quem não conhece ou pouco conhece a vida e a obra desse grande poeta baiano. Vale a pena!!

waly salomão. foto: wilson midlej

Fábrica do Poema
In memoriam Donna Lina Bo Bardi
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-se os dedos estarrecidos.
sinédoques, catacreses,
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará o recalcado?
(mas eu figuro meu vulto
caminhando até a escrivaninha
e abrindo o caderno de rascunho
onde já se encontra escrito
que a palavra "recalcado" é uma expressão
por demais definida, de sintomatologia cerrada:
assim numa operação de supressão mágica
vou rasurá-la daqui do poema)
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará?

Devenir, devir
Término de leitura
de um livro de poemas
não pode ser o ponto final.
Também não pode ser
a pacatez burguesa do
ponto seguimento.
Meta desejável:
alcançar o
ponto de ebulição.
Morro e transformo-me.
Leitor, eu te reproponho
a legenda de Goethe:
Morre e devém
Morre e transforma-te.

Waly Dias Salomão
(Jequié, 3 de setembro de 1943 Rio de Janeiro, 5 de maio de 2003)

 O poeta, letrista, ator e produtor cultural brasileiro nascido em Jequié, Estado da Bahia, participou do movimento cultural Tropicália, na década de 60, que misturou temas e palavras americanas aos utilizados pela popular Bossa Nova, mas não se considerava do grupo. Filho de pai sírio e mãe baiana, desde cedo mostrou-se voltado para a intelectualidade.
Lançou seu primeiro livro de poemas, Me Segura que eu Vou Dar um Troço (1971), uma obra com textos escritos durante uma temporada passada na prisão, paginados e diagramados pelo artista plástico e seu amigo Hélio Oiticica (1937-1980). Neste ano também dirigiu o clássico show Fa-tal (1971), marco na carreira de Gal Costa. Co-autor de músicas como Mel e Talismã, ambas em parceria com Caetano e que viraram título dos discos de Maria Bethânia (1979 /1980), respectivamente, Anjo Exterminado e Mal Secreto, com Jards Macalé, Assaltaram a Gramática, com Lulu Santos e sucesso com os Paralamas do Sucesso, Balada de um Vagabundo, com Roberto Frejat, Pista de Dança, com Adriana Calcanhotto, e Vapor Barato, com Jards Macalé, entre outros.
Entre seus livros de sucesso figuraram Gigolô de Bibelôs, Surrupiador de Souvenirs, Algaravias, Lábia e Tarifa de Embarque (2000), entre outros. Participou do filme Gregório de Mattos (2002), da cineasta Ana Carolina, onde vivia o poeta luso-baiano ao lado de Marília Gabriela e Ruth Escobar. Casado e pai de dois filhos, o poeta da Tropicália ficou internado por doze dias na Clínica São Vicente, na Gávea, zona sul do Rio, para fazer tratamento de um câncer no intestino e morreu aos 59 anos. A causa mortis oficial foi a falência múltipla de órgãos, depois que a doença causou metástase para o fígado. Após o velório no Cemitério São João Batista, o corpo do poeta e letrista foi cremado no Cemitério do Caju, na zona norte do Rio de Janeiro. Era secretário Nacional do Livro do Ministério da Cultura, nomeado pelo Ministro Gilberto Gil, e responsável pela divulgação do livro
e da leitura.
Em 1997, ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura com o livro de poesia Algaravias. Seu último livro foi Pescados Vivos, publicado em 2004, após sua morte.

Fonte: www.rosanycosta.com.br

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